O governo editou uma nova resolução para apertar a fiscalização da lei dos caminhoneiros. Dados do setor de transporte apontam que apenas uma minoria está cumprindo a legislação, o que eleva a risco para motoristas nas estradas e a sonegação de tributos.
Desde o primeiro dia de agosto, uma ordem do Confaz, órgão que reúne secretários estaduais de Fazenda de todo o País, e do governo federal, determina que as cargas transportadas tenham que ter um registro eletrônico, o chamado CT-e (Conhecimento de Transporte Eletrônico).
Esse registro vinha sendo implantado aos poucos pelos estados e era obrigatório para alguns tipos de companhias. Agora será compulsório para todas as empresas, exceto as inscritas no Simples. O CT-e facilita a fiscalização e evita a sonegação de impostos nesse setor, estimada em mais de R$ 70 bilhões por ano.
Alfredo Peres, presidente da Associação das Administradoras de Meios de Pagamento, diz que atualmente 15 milhões de cargas são registradas mensalmente no País. Mas, segundo ele, esses números não batem com a quantidade de fretes registrados oficialmente na ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre). Em outro sistema o dado é reduzido em 2,3 milhões. Mesmo considerando que um frete pode ter diferentes cargas, o número é baixo. “Acreditamos que menos de 10% dos fretes estão sendo registrados”, afirma Peres.
O registro do frete na ANTT, chamado Ciot (Código Identificador de Operação de Transporte), foi implantado em 2011 para dar início ao processo de regulação da profissão de caminhoneiros. Com o registro, a empresa que contrata um transportador é obrigada a informar a carga, o custo do frete e o tempo da viagem, entre outros dados.
A intenção do governo era obrigar as empresas a pagarem os caminhoneiros por um meio oficial, evitando assim a chamada carta-frete. Nesse modelo, que foi proibido, os caminhoneiros recebiam uma ordem de pagamento e descontavam o documento em postos de combustível.
Entretanto, havia denúncias de que os trabalhadores pagavam valores mais altos do que o normal por determinados produtos e taxas extras para receberem as quantias em dinheiro. Peres, que representa as empresas que fazem o registro eletrônico, diz que a prática da carta-frete ainda não acabou.
A ideia do governo agora é unir as informações dos sistemas fazendário e da ANTT para facilitar a fiscalização. Já nas estradas, os fiscais terão a informação sobre a origem, o destino da carga e o período em que ela é transportada, o que pode servir de prova em caso de os caminhoneiros serem obrigados a trabalhar mais tempo que a lei determina.
O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), Sérgio Neto, afirma que não foram aplicadas multas relativas ao CT-e às empresas gaúchas e acredita que a estatística possa estar deturpada.
“Todas as empresas já são obrigadas a fazer o controle via CT-e. Então não há mais razão para levantar esse tipo de estatística. Confesso que não tenho convicção de que isso esteja correto. De qualquer forma, todas as informações obtidas a partir da emissão da nota fiscal são cruzadas eletronicamente. Isso significa que não há mais razão para se falar em sonegação. No mínimo, essa resolução vai resolver esse passivo, pois a nota fiscal emitida já vai estar na receita federal. É claro que sempre existirão aqueles que transportarão sem nota. Por isso, obviamente cabe à fiscalização apertar o cerco sobre esse problema”, explica.
O diretor-presidente da Ctil Logística, Frank Woodhead, revela que muitos empresários deixaram as alterações contábeis necessárias para as vésperas da vigência da lei. A prática, no entanto, pode trazer outras dificuldades. Na Ctil, segundo ele, o sistema foi implantado em janeiro e sem complicações.
“Nós já operávamos um sistema novo desde janeiro. Isso não nos trouxe muitas dificuldades. Na verdade, uma crítica que se pode fazer diz respeito aos empresários, pois é impressionante como se deixa as alterações para o último momento. Aí tem que multar mesmo. Podemos até discutir a burocracia que também incide sobre os custos. Mas isso faz parte do processo, pois tudo será feito eletronicamente e teremos avanços no controle”, revela.
O aumento de custos, conforme Woodhead, se resume à mudança dos softwares para permitir que o processo seja desencadeado de maneira mais automatizada. “Há o custo da troca, mas de tempo em tempo é preciso fazer um upgrade dos sistemas. O grande problema é justamente a questão da isonomia. Se um fizer, todos têm que fazer. Neste sentido, a fiscalização ampliada se justifica”, defende. Já o diretor-superintendente da Modular Cargas, de Canoas, Renê Mesquita, acredita que a extinção da chamada carta-frete pode beneficiar os transportadores autônomos.
O empresário também percebe vantagens no que se refere ao controle sobre a arrecadação federal. Isso porque os caminhoneiros autônomos acabavam descontando as ordens de frete recebidas nos postos de combustível, que cobravam margens altas para o estabelecimento. “Com o novo modelo, isso não ocorrerá mais, em razão da possibilidade de negociar melhores prazos com o sistema financeiro para o pagamento das cartas de frete eletrônicas”, analisa.
Dificuldades para cumprimento das normas
Desde abril de 2012, a Lei 12.619-12 regulamenta o tempo de jornada dos caminhoneiros com o objetivo de aumentar a segurança nas estradas. No entanto, a legislação tem sido criticada pelo setor em razão do aumento de custos e das dificuldades para cumprir o tempo de descanso imposto. A norma prevê intervalos a cada quatro horas. Para o Rio Grande do Sul, os efeitos da norma tendem a ser ainda mais perversos. É o que explica o presidente do Setcergs, Sérgio Neto. Segundo ele, é preciso colocar na balança o fato de o Estado estar localizado em um dos extremos do País.
“Para levar os produtos gaúchos ao Centro do Brasil temos de percorrer uma rota de longo curso e o impacto da lei é sempre proporcional às distâncias. No Centro-Oeste, em apenas quatro horas, já se está em São Paulo. Daqui é necessário um deslocamento de 20 horas em média. Isso cria dificuldades e impactos pesados para as empresas na contratação de uma mão de obra-extra inexistente e também nos encargos sobre a folha de pagamentos”, avalia.
Apesar de afirmar que o aperto sobre a sonegação é positivo, o diretor-presidente da Ctil, Frank Woodhead, revela que, por outro lado, a ampliação da fiscalização sobre a lei dos motoristas pode ser problemática. “Neste aspecto, ninguém está conseguindo cumprir a lei com o rigor necessário. Foi uma legislação mal negociada, sem consensos e muitos vetos”, comenta.
O resultado, segundo Woodhead, é marcado por uma redução de 200 fretes mensais. “Com o início da Lei, reduzimos a média de 600 fretes para 400 ao mês – o que é algo considerável”.
Na avaliação de Neto, o cenário é de preocupação e incertezas. “A lei vigora desde o ano passado e a maioria das empresas organizadas busca adaptar-se a ela dentro do possível”, resume.
Entretanto, o dirigente projeta que os efeitos mais drásticos recaiam sobre outra dificuldade: a falta de mão de obra no setor. “Passamos a depender da contratação de outros motoristas. Já não é incomum ter de ficar com o caminhão parado no pátio da empresa. A demanda cresce com o tempo e não temos as mesmas condições para fazer o transporte”, reclama.
Custos com legislação podem representar ampliação de 50% na folha de pagamento
Apesar das polêmicas que tangenciam a Lei 12.619-12, empresários do setor parecem concordar com a necessidade de um marco regulatório. No entanto, os mesmos representantes afirmam que o atual formato do texto torna as normas da chamada lei dos motoristas impraticável.
Com o panorama os primeiros prejuízos já começam a aparecer. A saída tem sido a divisão das perdas com os contratantes de fretes. “Não há alternativas. Quem não fizer o repasse dos custos não terá condições de sobrevivência no mercado. Infelizmente, nos foi imputado um custo que não seria do transporte. O embarcador terá de se adaptar, assim como o consumidor e o varejo, pois todos os prazos de entrega foram alterados”, enfatiza o presidente do Setcergs, Sérgio Neto.
De acordo com o dirigente sindical, uma carga que era transportada antes da vigência da lei em quatro dias, atualmente pode levar até uma semana para chegar ao destino. Um levantamento da entidade estima o aumento de custos médios de 50% para as cargas de contêineres; 30% para a dos fretes completos e 24% no valor final do transporte fracionado.
Entretanto, cada empresa enfrenta distintas dificuldades para a promover as adaptações. É o que explica o diretor-superintendente da Modular Cargas, de Canoas, Renê Mesquita. Ele afirma que os custos com horas extras e o pagamento dos períodos de espera determinados pela lei já representam 50% da folha de pagamento da empresa que possui 150 caminhoneiros contratados.
“Acredito que a regulamentação é importante e o disciplinamento da lei e do tempo de trabalho dos motoristas é algo positivo. Trata-se de uma profissão de muito valor para o País, mas ainda existe uma carência muito grande de profissionais deste tipo. É algo notório e configura uma preocupação da categoria, que enfrenta uma crise muito séria por essa razão”.
Além disso, Mesquita destaca a elevação de custos atrelados à diminuição da produtividade da frota. Isso porque para cumprir as exigências legais, os veículos têm de permanecer parados por um tempo maior. “Posso afirmar que não tem sido muito fácil essa aceitação da divisão do prejuízo com a outra ponta dos contratos. Não há como repassar os custos de maneira integral”, afirma ao projetar ampliação de 30%, em média, nos prazos de entregas que envolvem longas distâncias.
De acordo com Merquita, o passivo trabalhista de quem não está cumprindo a lei é computado desde a promulgação da norma em 2012. “Na verdade as reclamações trabalhistas comporão esse tempo de direção que a lei prevê e quem não cumprir pode até evitar os gastos agora, mas terá de pagar por vias judiciais. Por isso, o aperto na fiscalização é sempre prudente, pois denota um respeito aos que trabalham corretamente”, defende.
Grupo técnico busca alterações no texto e ampliação de prazos para implantação
A necessidade de repassar os custos adicionais com a lei dos caminhoneiros acabou envolvendo o setor agrícola em uma tentativa de alterar a atual norma em vigor. Por isso, o consultor da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Luiz Antônio Fayet, explica que um grupo de trabalho foi constituído no final de 2012 para o encaminhamento de sugestões técnicas elaboradas dentro da câmara setorial de logística - que congrega cerca de 60 entidades nacionais.
As propostas geraram uma nova minuta atualmente em discussão na Casa Civil e no Ministério dos Transportes. Além disso, uma comissão especial na Câmara dos Deputados também trata do assunto. “Verificamos as discussões do Congresso e incluímos alguns tópicos no texto. Agora estamos com cerca de 99% de convergência na minuta técnica reencaminhada ao governo”, garante.
De acordo com Fayet, o setor sempre defendeu a existência de uma regulamentação para a contratação de empresas e de motoristas autônomos para evitar ao máximo os passivos trabalhistas. “Defendemos algo capaz de pacificar as relações. Todavia a Lei 12619 é inaplicável e exige adequações que contemplem a realidade brasileira”, afirma.
Entre as alterações está a ampliação do prazo de vigência. Desta forma, a norma passaria a valer integralmente em cinco anos – tempo considerado indispensável para promover melhorias na infraestrutura e permitir a segurança nas paradas previstas.
“Não se pode tratar a Via Dutra como a rodovia Transamazônica. Tratam-se de realidades diferentes, que não foram contempladas pela legislação atual. Estamos falando de um País maior do que a Europa ocidental. Por aqui, é impossível fazer algo em seis meses. Por isso, não podemos simplesmente imputar as pessoas a cumprir uma lei inaplicável”, reclama.
A segunda questão levantada diz respeito à tipologia das cargas. Pelo atual texto, o transporte de animais vivos não possui diferença regulamentar para o deslocamento de minério de ferro, ou de produto frigorificados, por exemplo.
O novo texto não altera o CT-e, mas sugere melhorias nos sistemas de controle para flexibilizar os horários. Em uma rodovia como a BR-163, também conhecida como Cuiabá-Santarém (que liga Tenente Portela no Rio Grande do Sul a Santarém no Pará), dos 3,4 mil quilômetros de extensão, mais de 1 mil não possui sequer asfalto, o que pode reduzir a média de velocidade a 30 km por hora.
Neste cenário, de acordo com Fayet, não existe a hipótese de realizar uma parada a cada quatro horas. “Por isso, o fundamental é adequar todas essas realidades regionais e isso só poderá ser obtidas com bom senso”, avalia.
MUDANÇAS
Caminhoneiros – são afetados pelo aperto na fiscalização. O governo está criando mecanismos para apertar a fiscalização de cumprimento das leis que regulam a jornada e a forma de trabalhar dos caminhoneiros.
Registro Eletrônico de Carga – Era um instrumento necessário apenas para alguns tipos de carga em alguns estados. Passou a ser obrigatório, desde a semana passada, para todos os tipos de carga.
Registro Eletrônico do Frete - Desde 2011, o governo determina que todos os fretes devem ser inscritos num sistema chamado Ciot (Código Identificador de Operação de Transporte), que registra custos e tempo de transporte.
A nova operação - A ideia é cruzar o registro da carga com o do frete para facilitar a fiscalização. No entanto, dados da indústria apontam que já há mais de 15 milhões de registros eletrônicos mensais de carga, mas apenas 2,3 milhões de registros de frete por ano.
O objetivo - O intuito é ter instrumentos para melhorar a fiscalização dos fretes, evitando a sonegação e descumprimento dos tempos de direção e a forma de pagamento dos caminhoneiros.
Prejuízos - Estudo do procurador do Trabalho Paulo Douglas indica que a sociedade vem pagando anualmente um terço dos custos com frete. O valor deveria ser de responsabilidade de quem envia as cargas.