Crise: Escassez de serviços para caminhoneiros

A crise afeta drasticamente caminhoneiros autônomos, que chegam a esperar por semanas por um frete nos terminais de carga, mas muitos não pagam nem mesmo os custos de viagem, obrigando os motoristas a se submeterem a condições lamentáveis para não ficarem parados. Muitos já pensam até em abandonar a profissão.
A crise econômica no Brasil continua preocupando e impactando substancialmente o setor de transporte rodoviário de carga. A defasagem do frete, uma situação que já vinha gerando apreensão entre os caminhoneiros, com o agravamento da crise nos últimos meses, tornou-se uma dos principais queixas dos profissionais, especialmente os autônomos.
Mas se a defasagem já era um problema, atualmente, existem preocupações ainda maiores: a escassez da oferta de serviço, ou seja, conseguir uma carga é uma tarefa extremamente difícil.
O fato é que a oferta diminuiu e o que se vê na maior parte dos terminais de do País são pátios cheios de motoristas esperando por cargas que, pelo menos, paguem os gastos da viagem.
No Brasil, sabe-se que mais de 60% das mercadorias circulam sobre rodas. Por outro lado, apesar da dependência do País do modal rodoviário, pouco se fez para facilitar a vida de quem anda nas estradas.
Além da condição de trabalho ruim dos motoristas autônomos, na maioria das vezes, dirigindo uma frota envelhecida, sem valorização ou direitos, e submetidos a rotinas estressantes e injustas, a falta de investimento nas rodovias e a insegurança para quem vive da estrada são problemas que com a atual crise estão fazendo com que profissionais, que sempre viveram da profissão, pensem em mudar de área. É isso mesmo: muitos já cogitam abandonar a profissão.
Com 23 anos de estrada, Antonio Marcos, natural de Santa Catarina, que, atualmente transporta cargas de seu estado para São Paulo, diz que já pensou até em devolver o caminhão.
“Meu caminhão está quase quitado, mas conseguir uma carga boa está cada vez mais difícil. Quando há, querem pagar até 50% mais barato, o que não cobre nem os custos da viagem. O Governo permite a renegociação do bem comprado, mas no caso dos caminhoneiros autônomos, do que adianta renegociar se não temos dinheiro para pagar as parcelas que vencem”, reclama.
Antonio Marcos já chegou a ficar até cinco dias no Terminal de Cargas Fernão Dias, em São Paulo, esperando por um oportunidade. Aos 45 anos, ele pensa em desistir. “Tenho dois filhos que não querem seguir a profissão. Acho ótimo, porque no Brasil temos vários problemas nessa área que não serão resolvidos tão rapidamente. Estamos num momento de repensarmos nosso futuro”, analisa o motorista.
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Uma das piores crises
Para Carlos Alberto Granado, motorista há 22 anos, que trabalha na rota São Paulo-Nordeste, esta é um das piores crises que o setor viveu nos últimos 15 anos.
Dono de três caminhões (um truck e duas carretas), ele também reclama da defasagem do frente. “A oferta está quase zero. E quando temos, os valores são ofensivos. Para se ter ideia, há um ano, em uma viagem com o truck para Recife chegavam a pagar R$ 8 mil, hoje paga-se cerca de R$ 5 mil. A mesma coisa acontece para o transporte de cargas para Fortaleza.
Antigamente, era possível receber até R$ 11 mil pelo frete para Fortaleza, dependendo da carga. Hoje, querem pagar R$ 7 mil, ou até menos. Um absurdo. Mas as comissões dos agenciadores não diminuíram. O fato é que todo mundo se aproveita do caminhoneiro, que acaba ficando até uma semana nos terminais à espera de carga, e quando estão quase sem dinheiro, são obrigados a aceitar qualquer frete, mesmo com prejuízos”, lamenta.
A falta de serviço está desanimando Carlos Alberto, que também já pensa em vender os caminhões. “Conquistei muitas coisas, mas sempre busquei atividades paralelas, porque o caminhoneiro no Brasil, infelizmente, não é reconhecido.
Por outro lado, temos um sindicato que não atua em nosso favor. Todas as melhorias de que necessitamos nunca saíram das pautas de reivindicações. O Sindicato não foca no que realmente precisamos. Entra ano e sai ano, tudo fica sempre igual. Na verdade, a categoria não é unida e não há uma liderança forte e de boa vontade que queiralutar pelos nossos direitos”, comenta.
Além da falta de serviço, os caminhoneiros também reclamaram do alto preço dos pedágios, que, em tempos de crise, tiveram aumentos, impactando ainda mais os custos da operação. “Os pedágios no Brasil são caros. Acredito que o valor do pedágio deveria ser mais justo para quem ganha a vida nas estradas. Dizem que o caminhão estraga mais as rodovias. Por isso, tem de pagar mais. Ora, transportamos o que é permitido e existem as balanças para medir isso. O fato é que se trata de uma profissão sem muito valor. Somos, muitos vezes, marginalizados e vistos como ausadores de acidentes. Enfim, é muito triste a situação que os caminhoneiros autônomos vivem hoje”, relata anderlei Oliveira Jordão, há 20 anos na boleia, que faz as rotas interior de São Paulo, Mato Grosso e Goiás.
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Segundo ele, com os gastos com os pedágios e o óleo diesel, o motorista acaba comprometendo cerca de 60% do que ganha. “Tivemos vários aumentos de combustível nos últimos meses em uma época de crise. Como é que podemos trabalhar com um frete baixo e aumentos sucessivos de combustível? O caminhoneiro autônomo vai estar morto em pouco tempo”, acrescenta Wanderlei.

Faltam pontos de parada
Fábio Bernardes da Silva, natural de São Paulo, mas que também faz as mesmas rotas de Wanderlei, lembra que, na maior parte das rodovias, não há pontos de apoio suficientes para todos os motoristas.
“Os pontos de parada ficam lotados após às 20 horas. Muitas vezes, tenho de rodar muito mais para encontrar um local seguro para descansar”, garante.
Se não bastasse isso, a insegurança continua sendo a pedra no sapato de quem ganha a vida nas estradas. Há alguns meses, um da Associação Nacional do Transporte de Cargas & Logística, (NTC) revelou que o roubo de carga no Brasil teve um aumento de 42% nos últimos quatro anos.
Segundo os caminhoneiros, com a crise esse índice aumentou. “Conheço vários colegas que foram assaltados nos ultimos meses. É uma situação que preocupa e faz a gente desanimar ainda mais. Com a nova lei do caminhoneiro prometeram novos pontos de parada, mas até agora tudo continua na mesma. Ou seja, as perspectivas não são nada otimistas para o segundo semestre”, avalia Fabio.
Uma luz no fim do túnel foi apresentada pelo Ministério dos Transportes (MT), com a Agência Nacional de ransportes Terrestres (ANTT) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que pretende realizar o levantamento de locais de espera, repouso e descanso nas rodovias federais de todo o País, tais como postos de combustíveis, estações rodoviárias, refeitórios, alojamentos, hotéis, pousadas, entre outros. Os pesquisadores visitarão estabelecimentos existentes às margens das rodovias federais, para verificar as condições de segurança, sanitárias e de conforto estabelecidas na Portaria 944, publicada pelo Ministério do rabalho e Emprego (MTE), no último dia 9 de julho. A iniciativa decorre da Lei 13.103/2015, conhecida como “Lei dos Caminhoneiros”, que estabelece a jornada de trabalho e o tempo de direção para o motorista profissional de ransporte de cargas e passageiros.
Após o levantamento e consolidação das informações, será produzida a primeira lista de trechos rodoviários que possuem locais de parada e descanso adequados aos critérios definidos em portaria do Ministério do Trabalho e Emprego.
De acordo com a avaliação de gestores do Ministério dos Transportes, a implantação dos Pontos de Parada e Descanso (PPD) trará benefícios importantes, como: diminuição dos acidentes por falhas humanas devido ao cansaço; redução de roubos e furtos; desestímulo às práticas de prostituição e uso de drogas; e estímulo à modernização dos estabelecimentos, inclusive com o reconhecimento pelo Governo Federal.
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“O problema é que tudo demora muito para sair do papel. Existem muitos interesses e conflitos nesse setor. Tem gente com boa vontade, mas há também pessoas ruins, que só querem continuar a se beneficiar do modelo existente. O transporte rodoviário de cargas chegou a um gargalo: ou melhoramos o que é preciso ou o País vai se manter por muito tempo nesse ciclo de desaceleração e baixo crescimento”, analisa Arlindo de Almeida Fernandes, há 30 anos na estrada, natural de Minas Gerais, que trabalha na rota Rio de Janeiro/São Paulo.

Para se ter ideia, na ocasião da entrevista, Arlindo já estava no terminal de cargas Fernão Dias há quase uma semana. “Os fretes entre Rio de Janeiro e São Paulo estão mais de 40% mais baixos. Não compensam”, confirma. Para ele, é preciso uma efetiva atuação do Governo no sentido de amenizar as dificuldades pelas quais o setor e os motoristas passam atualmente. Nem mesmo as perspectivas da boa safra agrícola do Brasil trazem algum alento a uem fica dias sem transportar uma carga.
O fato é que os caminhoneiros não acreditam que as coisas melhorem em curto prazo. “Dizem que a crise vai piorar. Se piorar, não teremos como sobreviver. Os caminhoneiros que atuam em transportadoras estão um pouco melhor. Mas a crise também está afetando essas empresas, que, com caminhões e motoristas parados, também já contabilizam rejuízos. Isso é reflexo da ação de um governo irresponsável, que há quase 20 anos não fez o que tinha de ser feito no sentido de dar melhores condições para que os caminhoneiros autônomos pudessem trabalhar com mais dignidade e segurança”, opina Oliveira Luiz da Silva, caminhoneiro há 31 anos, que roda o Brasil todo.
Da mesma opinião compartilha José Reis, há 35 anos na estrada, natural de Minas Gerais. Ele, que também transporta cargas na rota Rio de Janeiro-São Paulo, diz que já presenciou outras crises no setor com escassez de serviço, mas garante que dessa vez as dificuldades têm proporções nunca vistas antes. “Como vamos fazer a manutenção dos caminhões se não ganhamos nem para pagar as despesas da viagem. Por isso, há caminhoneiros rodando com pneus ruins, sem a devida manutenção. E a culpa é do caminhoneiro? Claro que não. Precisamos diminuir a defasagem do frete, caso contrário, a profissão de autônomo está fadada à extinção”, prevê José Reis.
Carlos Roberto Ferreira da Silva, motorista profissional há oito anos, natural de Maceió/AL, percorre até 2,4 mil km para transportar as cargas para São Paulo. No dia da entrevista, ele, que vem de uma família de caminhoneiros (o pai e o irmão também abraçaram a profissão), estava há apenas um dia em São Paulo, mas não tinha previsão de quando regressaria para Maceió. “Voltar com o caminhão vazio não compensa. Mas com o alto preço do combustível e do pedágio não ganhamos nada. É uma situação lastimável. Sem contar que as condições das estradas, especialmente na região de Minas Gerais, são horríveis, prejudicando ainda mais os caminhões. Realmente, é de se pensar em mudar de vida”, alerta Carlos Roberto, que estava acompanhado da esposa, Josefa Patricia da Silva, que viajava pela primeira vez com o marido.
Mudanças já
Outro caminhoneiro que também pensa em abandonar a atividade que vem exercendo há 14 anos é Evander Sousa de Carvalho. Este mineiro, que também atua em São Paulo e Rio de Janeiro, confessa estar muito decepcionado com a situação lastimável que os caminhoneiros autônomos vivem atualmente.
“É triste saber que uma classe que sempre ajudou o País a crescer enfrenta hoje uma situação tão ruim. E o mais difícil é não sabermos como vai ficar. O que nos resta é rezar, porque não temos muito o que fazer. O Governo é ineficiente e quem paga somos nós, os autônomos, que nunca fomos tratados com respeito e quase não temos direitos”, lamenta.
O fato é que a situação está realmente insustentável para o transporte rodoviário de cargas em todos os seus elos. Especialistas falam em agravamento da crise, previsão que se confirmada, trará ainda mais dificuldades para o setor, que precisará de ajuda e mudanças urgentes para continuar contribuindo para o crescimento do País.

Fonte: Editora Na Boleia Texto de Madalena Almeida



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