Drogas e cansaço estão entre as principais causas de acidentes


Estradas boas, caminhões modernos e lei de descanso do motorista. O cenário parece perfeito para uma condução segura e sem acidentes, mas ao contrário do que deveria ser, o número de acidentes envolvendo caminhões continua em ritmo crescente no Brasil. Como justificar um veículo tombado em uma rodovia em perfeito estado de conservação, e com toda assistência oferecida pelas concessionárias de rodovia? A resposta é imediata: falha humana, a principal responsável pela grande maioria dos acidentes envolvendo caminhões.
De acordo com dados da Policia Rodoviária Federal, em 2012 foram computados 184.527 acidentes contra 186.690 em 2013. Desse total, 62.912 e 64.430, respectivamente, tiveram o envolvimento de caminhão. Colisão lateral, traseira, saída de pista, tombamento e colisão transversal são os registros mais comuns quando se trata de veículo pesado. As principais causas presumíveis registradas pela PRF são a falta de atenção (responsável por 21.875 acidentes em 2012 e 23.307 acidentes em 2013), não guardar distância de segurança (5.921 acidentes em 2012 e 7.002 em 2013), velocidade incompatível (5.375 acidentes em 2012 e 5.929 em 2013). Pelo levantamento, os problemas mecânicos foram responsáveis 3.535 ocorrências em 2012 e 3.773 no ano passado. Número pequeno se comparado ao total.

Os motoristas concordam com as estatísticas apontadas pela PRF e reforçam que para eles o cansaço e a falta de experiência estão entre as principais causas dos acidentes, embora a Lei do Motorista cite em seu texto descanso de meia hora a cada cinco ao volante, mais nove horas de descanso após oito horas de trabalho. Segundo os carreteiros, por não existir fiscalização muitas empresas continuam exigindo horários apertados nas entregas, resultando em estresse e pressa de chegar ao destino.
A PRF diz que a fiscalização acontece nas rodovias federais, onde são feitas revistas nos veículos e nos condutores em busca de “ilícitos”, principalmente entorpecentes. Nas blitzes, os policiais avaliam as condições físicas do motorista e verificam o disco do tacógrafo, que muitas vezes pode indicar que o condutor está dirigindo há muito tempo sem descanso, levantando a suspeita de uso de alguma substância psicoativa, provocando uma vistoria mais detalhada.

De acordo com os motoristas, as drogas realmente se tornaram um grande inimigo na estrada. Cocaína, maconha e até mesmo o craque passaram a fazer parte do dia a dia como uma alternativa para se manter mais tempo acordado. “Os motoristas, principalmente os mais jovens, usam todo tipo de droga. Eles consomem a droga e pegam na direção, com maior frequência à noite, para aguentar tocar mais. Nem se preocupam com os efeitos, como a perda de reflexo. Um absurdo, rebite quase nem se vê mais”, explica Oseia Rodrigues, São Jose dos Pinhais/PR, empregado, 40 anos de idade e 15 de profissão.
Ele chama a atenção também para o estresse o qual acomete muitos motoristas. “Hoje em dia ninguém mais tem paciência quando está no volante, a obrigação de cumprir os horários de entrega estipulados pelos patrões faz com que o motorista exceda o tempo de direção”, lamenta. Diz que no seu caso a empresa se preocupa com a segurança dos funcionários e determina as horas de descanso conforme estabelece a Lei do Motorista. “Essa atitude contribui para uma viagem tranquila e reduz bastante o risco de acidente, pois os motoristas dirigem descansados e focados”, acrescenta. O carreteiro conclui dizendo que nunca sofreu um acidente e ensina que o segredo é ter paciência no trânsito, na estrada, dirigir com consciência e participar de treinamentos. “Muitos podem achar bobeira, mas para mim os treinamentos que participei foram muito úteis. Mudei o meu jeito de pensar e agir. A vida é muito mais que entregar na hora certa. Cansou tem de parar”, aconselha.

O motorista empregado Silviomar de Araújo, de Indaial/SC, 50 anos de idade e 32 de profissão comenta que viaja por todas as regiões do Brasil e vê que as estradas estão cada vez mais modernas e os caminhões potentes, porém, a falta de experiência de alguns motoristas em atividade tem contribuído para o aumento do número de acidentes. “Na minha época para pegar uma estrada era necessário pelo menos três anos de experiência. Hoje o motorista recebe algumas instruções rapidamente e em seguida as chaves do caminhão e o destino para entregar a carga”, critica. Em sua opinião a falta de motoristas mais experientes é decorrente da desvalorização da profissão.
Diz que a necessidade de preencher vagas em aberto quase custou a vida do seu filho Diogo, hoje com 27 anos de idade. “Ele tinha acabado de entrar na empresa e trabalhava com pequenas entregas. Porém com apenas quatro meses de experiência saiu para a estrada. Em Barra do Turvo, na BR-116, um caminhão saia do posto e errou a marcha, meu filho estava em excesso de velocidade e não conseguiu evitar o acidente”, lembra. Silviomar cita também o caso de um amigo que trabalhava como ajudante de pedreiro e durante a preparação para participar de um processo de seleção para motorista de caminhão lhe perguntou como que desengatava uma carreta, porque este era um dos testes.
Em relação as drogas, diz ter virado algo frequente nas estradas e que os motoristas consomem cocaína e craque sem se preocupar com fiscalização ou efeitos negativos na direção. “Conheço pelo menos uns cinco colegas que enterraram seus filhos motoristas por conta de consumo de droga. A facilidade de encontrar a droga contribui para o excesso de consumo e o comprometimento da segurança”, diz. Aos jovens motoristas e aos que pensam em ingressar na profissão, Silviomar faz um alerta sobre a importância de se conscientizar de que o caminhão não é um carro de corrida e a estrada é um lugar que exige concentração e responsabilidade. “Sempre existirá alguém te esperando, portanto não faça loucuras, não use drogas, respeite as leis e descanse sempre que sentir necessidade”, aconselha.

Anderson Autulo, 37 anos e 18 de profissão de Fernandópolis/SP, viaja o Brasil inteiro e faz questão de ressaltar que além de tudo o que já foi falado sobre falha humana no volante, algumas regiões contribuem para a ocorrência de acidentes. Ele cita como exemplo as rodovias do Mato Grosso, nos municípios de Sinop e Mutum. “As rodovias estão em um estado lastimável, com buracos do tamanho de um caminhão. Acidente ali acontece todo dia. Eu mesmo quase fui vitima de um, o pneu do caminhão da frente estourou e quase me acertou”, lembra. Destaca também, o fato de alguns motoristas excederem a velocidade. “Essa molecada que ganha por comissão passa por cima para tirar o atraso quando entram em rodovias boas como as de São Paulo”.
As drogas são um grande problema também no Mato Grosso, afirma Anderson, acrescentando que são opção fácil, barata e comum em quase todo o País. “Quantas vezes já vi motorista dormindo com os olhos abertos, um perigo. O mais interessante é que a fiscalização é quase inexistente”, critica. Ele aproveita para alertar os colegas sobre a importância de descansar e dirigir de maneira consciente, sem “fazer loucuras.”
Filho de motorista, Almir dos Santos, São Paulo/SP, 33 anos de idade e 18 de profissão, trabalha empregado, e desde cedo acompanha o pai nas viagens. Tem opinião que álcool e droga são os principais fatores de acidentes nas estradas. “Antigamente era difícil ver um motorista se drogando, mas hoje é comum”, declara. Almir acredita que o fato de os motoristas estarem cansados e muito pressionados pelas empresas contribui para esta triste realidade. “Muitas empresas não seguem a lei e obrigam os profissionais a cumprirem prazos complicados. Um colega tombou o caminhão e um dos motivos era o cansaço”, lembra. Por esse motivo, defende que o melhora fazer é parar sempre que estiver cansado.
Os amigos Cristian Maicon Zanatta, 27 anos de idade e sete de profissão, de Porto Ferreira/SP, e Antonio Cláudio Teixeira, 47 anos, 24 de profissão, São Simão/SP, também acreditam que a maioria dos acidentes são ocasionados por profissionais mal preparados. Eles alegam que hoje basta ter a CNH, fazer umas aulas com algum instrutor e o motorista está pronto para ir para a estrada. “É um absurdo, pois até ele tomar consciência do que é um caminhão e como o veículo se comporta, provavelmente já se envolveu em algum acidente”, opina Cristian. Antônio complementa que seis meses é muito pouco tempo para alguém que nunca dirigiu caminhão enfrentar uma estrada. Ele cita também o consumo excessivo de drogas na estrada e o cansaço como fatores causadores de acidente nas rodovias. “É assustador como a droga circula entre os motoristas, a maioria consome para poder tocar mais e conseguir aguentar a noite acordado”, explica.

Antonio Cláudio acredita que se a Lei do Motorista estivesse realmente em prática ajudaria muito a reduzir os acidentes, já que as empresas seriam obrigadas a determinar horários de descanso para seus motoristas. Ele lembra que há 10 anos dormiu no volante e bateu em outro caminhão, fato atribuído por ele à inexperiência e ao cumprimento de prazos estipulado quase impossíveis de serem atendidos. “Foi uma lição importante, pois desde então quando sinto o cansaço paro e descanso. As pessoas não têm noção do perigo até que alguma coisa aconteça com elas. Aconselho aos menos experientes que não cometam loucuras. Parem, descansem e não espere o próximo posto pois pode ser fatal”, alerta.
Imprudência, falta de atenção, cansaço e consumo de drogas são as justificativas dadas pelo carreteiro Luiz Fernando Rodrigues, Porto Xavier, 31 anos e 10 de profissão, para a ocorrência de tantos acidentes mesmo em rodovias consideradas boas e seguras. Ele diz que muitos motoristas não têm consciência do quanto é perigoso dirigir tanto tempo sem descansar e acabam colocando a vida de todos que estão na estrada em risco. “Eu não cometo essas loucura, estou parado desde as nove horas da noite e agora almocei e vou continuar a viagem tranquilo, sem estresse”, declarou na ocasião que conversou com a reportagem.
Se por um lado fatores como a inexperiência, cansaço e drogas parecem comprometer a segurança na estrada, por outro já existem empresas desenvolvendo ações para conscientizar seus motoristas a dirigirem com segurança. Uma delas é a JSL, que realiza uma série de ações para orientar seus motoristas em relação à segurança no trânsito. Todos os colaboradores da empresa recebem treinamentos frequentes, os quais incluem aulas de código de trânsito, direção defensiva e orientações sobre os danos provocados pelo uso de álcool e drogas.
Além das ações com os próprios motoristas, a empresa lançou em 2011 o programa “Pela Vida”, ação que oferece atendimento gratuito a motoristas profissionais que circulam nas principais rodovias do País. Desde seu lançamento, até o final do ano passado, foram realizados mais de 49 mil atendimentos em 10 postos, trailers nos quais são oferecidos atendimento gratuito de aferição de pressão arterial, acuidade visual, medição de IMC e circunferência abdominal. Durante o atendimento é reforçado ao motorista a importância dos cuidados básicos de saúde e alimentação correta para a melhoria da qualidade de vida. Também é oferecido aos motoristas o mapa de risco de acidentes das principais rodovias brasileiras, a fim de conscientizar e minimizar os riscos à segurança desses profissionais.
O Presidente da Coopercarga, Osni Roman, também tem opinião de que os a maior parte dos acidentes ainda é causada, infelizmente, por falha humana, como excesso de velocidade, uso de álcool e falta de atenção. O motorista está sujeito a jornadas extensas e ao trânsito excessivo, o que causa estresse e afeta seu desempenho. “Acreditamos na capacitação do motorista para diminuir índices negativos. Apenas em 2013, R$ 1,6 milhões foram investidos nesses profissionais. Índices internos indicam que as ocorrências totais, entre roubos e acidentes, foram reduzidas em 29% nos últimos cinco anos. Só acidentes em 34%, devido ao Programa Acidente Zero, o PAZ”, informou.
Roman explica que o Programa consiste em treinamento mensal destinado aos motoristas a fim de capacitá-los e integrá-los às medidas de segurança da cooperativa. Os temas tratados são o desenvolvimento interpessoal, lições de mecânica preventiva, legislações e direção segura por meio de prática e resultados. A Coopercarga promove também o Concurso Motorista Top 10, ação para premiar os condutores que se destacam por não se envolverem em acidentes e mantém cursos em parceria com FABET – Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte e ações comuns de monitoramento em todas as operações.

Entre as medidas consideradas importantes, na opinião de Roman, estão o investimento no fator humano, melhorias das rodovias e mudanças de comportamento pela educação. “No Brasil, a maioria dos motoristas se forma no volante, sem acompanhamento educacional com base escolar. Esse profissional tem uma responsabilidade muito grande em suas mãos. Cabe então a empresas como a Coopercarga investir no profissional, seja por meio de programas internos ou de parcerias. É possível ainda que as operadoras logísticas realizem gestão à distância, o que é facilmente realizado com as diversas tecnologias disponíveis no mercado”, explica.
O despreparo dos motoristas para atender a legislação de trânsito, excesso de confiança, falta de manutenção dos veículos, jornadas excessivas de trabalho e uso de álcool e drogas são os principais motivos dos acidentes envolvendo caminhão, segundo opinião de Fabiano Gomes da Silva, técnico em segurança do trabalho, da Expresso Mirassol. “Realizar treinamento periodicamente com todos os motoristas sobre prevenção de acidentes de trânsito; direção segura e transporte seguros com produtos perigosos e cumprimento da jornada de trabalho é o que a empresa tem feito para minimizar esse problema”, afirma.
Para combater o consumo de drogas entre seus funcionários, a empresa aplica o teste de bafômetro em todos os motoristas na entrada e saída da empresa, de treinamento de conscientização sobre os riscos ao consumir esses produtos. Outra providência é alinhar previamente com os clientes as janelas de entrega das cargas. Em relação à infraestrutura, Fabiano Gomes acredita que falta melhorar a fiscalização nas rodovias, assim como também aprimorar as leis de trânsito e aumentar tornar mais severas as penalidades sobre infrações que levam a acidentes com vítimas, sem faltar o melhoramento das condições das rodovias.



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